Clichês, slogans e cachorros vira-latas

Certa vez presenciei uma cena memorável: numa reunião de amigos, que partilhavam uma grande consideração pelo valor da família, falávamos sobre um casal que tinha oito filhos. Ao ouvir esse número, um dos presentes — um jovem de muito bom coração — imediatamente interveio: “Oito filhos? Na casa deles não tinha televisão?”. Todos olhamos surpresos para ele, e imediatamente o jovem percebeu o tamanho da asneira que tinha dito. Ficou vermelho de vergonha, como um pimentão.

O que esse bom amigo fez foi simplesmente repetir um chavão, um gracejo de mau gosto que circula no ambiente, um típico clichê da moda cultural reinante. De modo algum representava sua opinião sobre a matéria: era justamente o contrário do que pensava, mas escapou-lhe da boca sem querer, como um reflexo irrefletido: uma repetição como a dos papagaios.

Os slogans também escapam da boca como um vício da linguagem, mas além disso irritam quando não há camaradagem suficiente entre os interlocutores, para não levar o slogan a sério. “A esperança é a última que morre”; “Quem pode mais chora menos”; “(tal coisa) é fogo”; “Desgraça pouca é bobagem”; “Ser pobre é uma desgraça”. Há muitos outros exemplos.

Muitas vezes — mais do que se imagina — as pessoas falam coisas que pessoalmente não pensaram. Isso é perigoso, por vários motivos, entre os quais podem-se destacar três:

Em primeiro lugar, falar sem pensar naquilo que se fala é uma preguiça de pensar. Com outras palavras: as expressões do pensamento devem ter autor, com nome e sobrenome. Podemos repetir o que alguém disse, mas isso exige que concordemos com ele após uma reflexão pessoal, e assim possamos assumir como nossa a idéia que esse alguém teve. Além do mais, o autor dessa idéia teve também outras, que podem ser muito diferentes das nossas, e é preciso ter cautela para não darmos a impressão de que concordamos com ele em tudo.

Outro perigo é a incoerência: as idéias que circulam por aí são muito diferentes e por vezes opostas umas às outras. Não podemos fugir de um julgamento — pensado — que nos faça distinguir as que prestam das que não prestam. Quem adere a muitas idéias sem essa reflexão acaba por cair em contradições ridículas. É como se fosse um esquizofrênico que assume posturas globais diferentes conforme o assunto que vem à tona em cada ocasião. Embora haja muitas pessoas incoerentes, a realidade não é um caos, e por isso — mais ainda nos tempos que correm — é preciso exercer o pensamento, que consiste basicamente numa adequação à realidade objetiva.

Além dos dois acima existe um terceiro problema, que poderíamos chamar de “coquetel de idéias”. O sincretismo — a mistura de elementos incompatíveis entre si — quando aplicado às idéias torna impossível saber quem as pensou. São como os cachorros vira-latas, sem raça nem genealogia conhecida. Certas pessoas são assim: pensam de modo confuso, misturando assuntos que não tem nada a ver uns com os outros, mas que servem para fazer boa figura, um “tipo” adequado a certas modas ou estilos de comportamento. A característica mais básica dessas mesclas é que são de curta duração: em pouco tempo aparecem novas misturas para substituí-las. Mais uma vez notamos a inibição do pensamento, pois as idéias são achados que merecem comunicação e transmissão para esta e para as futuras gerações, e não convém dissolvê-las umas nas das outras, fazendo-as desaparecer.

É bom ter uma opinião sobre tudo — proteção dos direitos humanos, preservação do meio ambiente, respeito pelos deficientes, arte, história, cultura, etc. — mas para isso é preciso pensar, e não simplesmente repetir o que o vizinho diz. Além de produzir as nossas próprias idéias, é muito importante conhecer os grandes pensadores, pois são eles os que costumam “lançar no mercado” as diferentes visões de mundo (certas ou bizarras) que andam pululando por aí.