Liberdade é possuir o futuro

Que futuro pode ter um velho? Essa pergunta pode ser respondida com outra: um velho pode amar? De fato, o amor torna os homens eternos. Para quem ama, o futuro está no seu amor; amar é uma espécie de “posse” do futuro, que cristaliza em sonhos e projetos (os possíveis em virtude da idade), mas principalmente na certeza de que sempre poderão continuar amando. Seria um erro pensar que os velhos só podem sentir saudades do que já passou, e que já não podem amar mais ninguém. Não. Muitos terminam a vida em suspiros de amor, um amor agradecido e intenso por todos os que também o amam, e principalmente por Deus, com quem logo irão se encontrar. Estão velhos e gastos por fora, mas por dentro são muito jovens: quase crianças.

Todos sabemos que fomos criados por Deus, “aterrisamos” na História, e depois de morrermos iremos para o Céu (Oxalá seja assim; e o será se de verdade o quisermos). Céu significa, estritamente, amor. Por isso no Céu teremos um enorme futuro pela frente: um futuro infinito, do tamanho do amor que daremos e receberemos. São uns simplórios aqueles que afirmam que não gostam de pensar no Céu, pois imaginam uma eternidade tediosa, sempre igual, que não acaba mais... Parecem ter esquecido quão profundo é o amor. Por acaso há tédio quando dois jovens descobrem o seu amor um pelo outro? O amor é a fonte da vida, da alegria, da novidade, da criatividade, de todos os descobrimentos, e do futuro. Deus mesmo é Amor.

Em todas as etapas da vida estamos pendentes do futuro: da previsão do tempo, do dinheiro que conseguiremos (ou não) ganhar, das coisas que faremos, da situação em que nos encontraremos daqui a alguns meses, etc. O futuro parece ser uma espécie de “presente” que só não chegou ainda por causa do relógio ou do calendário. Quando finalmente o futuro chega, imediatamente já passou: virou passado, mais ou menos agradável. Entendido dessa forma, o futuro é como uma espécie de “coisa pronta”, da qual não podemos escapar. Se é assim, onde fica a nossa liberdade? Somos por acaso iguais aos planetas, que nunca escapam da sua órbita?

Alguns entendem a liberdade como autonomia: “não dependo de nada nem de ninguém; faço o que eu quero, e penso como quero, como se tudo o mais não existisse”. Esquecem que “depender” não significa perda de liberdade, mas todo o contrário: a verdadeira liberdade é a capacidade de amar, e o amor oferecido precisa ser aceito. De fato, só podemos amar alguém se soubermos que esse alguém nos oferece, do mesmo modo, o seu amor. O contrário do amor — o isolamento total, “independente” — é a solidão: a pior das desgraças.

O “amor” a cachorros ou a bichos de pelúcia é apenas uma “cócega” sentimental, que algumas vezes satisfaz um pouco, mas que é claramente insuficiente para preencher uma vida. O mesmo se pode dizer das emoções passageiras de certas “festas” (onde não se encontram pessoas, mas apenas cúmplices), dos videogames ou das drogas. Quem nunca amou de verdade, perdeu o tempo. Nunca conheceu a sua verdadeira identidade.

A criação de cada ser humano é um ato de predileção divina: somos fruto do Seu amor, e orientados rumo ao Seu amor também. Deus é o criador da nossa liberdade. Com outras palavras: cada um de nós é pura liberdade, com pernas, braços e cérebro. Se tentássemos nos separar desse laço de “dependência” que nos une a Deus, nossa vida seria um zero do ponto de vista da liberdade, pois essa “dependência” é justamente o nosso próprio ser, e a fonte da qual a nossa liberdade brota. Estaríamos na triste situação de poder “escolher qualquer coisa”, mas dentro de um conjunto muito pequeno de opções, todas elas alheias ao amor.

A liberdade radical do ser humano não é uma mera “libertação de”, mas fundamentalmente “liberdade para dar-se a alguém”. Quanto mais “libertação”, mais solidão. No que se refere a Deus, o assunto é decisivo.

Um outro modo de abordar o tema da liberdade é considerar a criatividade, a inventiva de que somos capazes.

O futuro não é um simples “resultado” do que cada um de nós faz, nem mesmo a soma do que todos os homens fazem. Isso é apenas a configuração do mundo, que não afeta a nossa liberdade mais profunda. A liberdade humana não está ligada a nenhum “resultado”, pois diante de qualquer configuração do mundo sempre pode inventar alternativas. A coisa funciona mais ou menos assim: a liberdade faz com que cada um de nós veja constantemente possibilidades novas a realizar; por isso o futuro “nunca chega”. Porque somos livres, cada situação é uma oportunidade de introduzir a “novidade” que levamos dentro, simplesmente pelo fato de sermos pessoas. Como dizia Hannah Arendt, “a única fonte de novidade neste mundo é o nascimento de uma criança”. Essa novidade é sinônimo da liberdade, e permite-nos a posse permanente do futuro, sem “desfuturizá-lo”. Se o futuro “chegasse”, nesse exato momento a nossa liberdade desapareceria.

A liberdade é uma espécie de “força”, que pode aumentar ou diminuir conforme a categoria da pessoa. Os fracos são, de certa forma, menos livres, pois não enxergam qual a contribuição que têm para dar em cada situação. Ficam encolhidos num canto, deixando a vida passar, como os ratos. Não têm muito futuro.

A essa altura, podemos notar uma interessante relação entre a liberdade e a inteligência: quem desenvolve a inteligência acaba vendo mais coisas: surgem a toda hora diante dos seus olhos muitas oportunidades, que um burro não vê. Um sinal de inteligência é conhecer a verdadeira situação em que nos encontramos na vida, tendo muito em conta o passado, a cultura, as coisas que os homens de outras gerações deixaram para que nós as aperfeiçoássemos. Mais uma vez se vê que “libertar-se” de tudo isso é diminuir a própria liberdade.

Pelo contrário, quem é mais livre cresce na liberdade, pois as tais “coisas novas” que descobre ou inventa têm a ver com o amor, e por isso sempre rebrotam: continuam abrindo mais e mais horizontes, crescem cada vez mais.

Um futuro possuído — sem deixar de ser futuro, mas muito “nosso” — e sempre aberto. Uma esperança de encontrar coisas novas que não depende de nenhum resultado ou circunstância, mas unicamente de Deus e dos amores verdadeiros que tenhamos. Uma liberdade que nos faz desejar comprometer-nos e “depender” dos outros, pois queremos dar-lhes cada dia um pouco de nós mesmos.

Não será isso a felicidade, tanto para os velhos quanto para os jovens?