O poder das listas

Suponhamos que tivéssemos que fazer algumas listas — sem consultar nada: apenas de memória —, uma de cidades da África, outra de países do mundo todo, e uma para cada um destes temas: plantas, pássaros, rios, verbos com letra inicial “D”, línguas, raças de cães, artistas já falecidos, partes do corpo humano, museus, chefes de governo, e filmes. Que tamanho cada uma dessas listas teria?

A capacidade de citar diversos nomes de coisas não é um termômetro apenas da potência da nossa memória, mas de muitas outras coisas, que convém analisar.

O que inicialmente chama a atenção é a vergonha que teríamos ao comprovar que pelo menos algumas dessas listas seriam muito mais curtas do que gostaríamos que fossem. Podemos, é claro, encobrir essa vergonha com a desculpa de que não são assuntos da nossa especialidade, e portanto não temos obrigação nenhuma de saber nada disso; quando precisássemos, consultaríamos as abundantes informações disponíveis, e então poderíamos fazer listas suficientemente completas. Mas no fundo nos sentiríamos um pouco ignorantes.

Um vocabulário rico é sinônimo de maturidade intelectual, de cultura e de inteligência. E esse tem que ser decorado, pois ninguém leva um dicionário debaixo do braço quando vai conversar com outra pessoa. Podemos nos enganar alguma vez, e até mesmo não saber o significado de uma ou outra palavra que ouvimos numa conversa culta. Nesse caso, às vezes até convém perguntar, e é inclusive uma demonstração de simplicidade e confiança que nos granjeia a simpatia do interlocutor. Mas se forem muitas as palavras que não entendemos, o melhor é bater em retirada para não fazer má figura.

Outro ponto interessante é que existem pessoas de inteligência média — não são propriamente gênios, nem campeões de memorização, nem eruditos entupidos de idéias — capazes de fazer listas bem mais longas do que as nossas. Uma das explicações possíveis para tal fenômeno está ligada ao dinheiro. Quem é mais rico tem mais tempo livre para ler, para conhecer mais pessoas, viajar mais, relaxar, e assim manter a cabeça mais em ordem. Tal explicação é insuficiente.

Todos conhecemos milionários — homens e mulheres — que são verdadeiras toupeiras: vêem muitas coisas pelo mundo afora, mas não sabem apreciar nada além de belas roupas, carros, casas, festas frívolas ou esportes sofisticados. E mesmo nessas coisas ficam logo entediados, e procuram excentricidades cada vez mais fortes para remediar o seu perpétuo aborrecimento. Essa descrição é propositalmente caricaturesca, mas algo parecido costuma ocorrer entre os endinheirados. Se fossem submetidos ao teste das listas, fariam menos do que uma dona de casa da classe média.

Uma explicação mais realista é que as pessoas se diferenciam muito quanto à sua atitude — mais ou menos bocejante — diante do mundo e da vida. Quem não sabe parar para apreciar uma bela paisagem, por exemplo, é um sujeito que no fundo a despreza: sua atenção está voltada para outras coisas, menos belas. Admirar-se diante da beleza, da riqueza e da pluralidade — hoje diríamos “diversidade” — das coisas que existem, traz como conseqüência a lembrança desse encontro. Isso vale tanto para as coisas da natureza como para as obras que o engenho humano foi capaz de produzir.

As listas cumprem outra função além de serem um teste: são provocativas, estimulam o seu aumento, empurram-nos em direção às fontes — livros ou Internet — com o propósito bem definido de conhecer mais sobre assuntos específicos. São um grande expediente pedagógico para pupilos de todas as idades. Fazer listas pode tornar-se um saudável hábito para nos divertirmos e manter dinâmicos os nossos neurônios (poucos ou muitos, não importa). Fazem com que saibamos estar sempre atentos e bem humorados perante o mundo em que vivemos.