Os buracos e a pradaria

“Não se deve ensinar Ética às crianças, pois elas ainda não têm experiência da vida.”

Aristóteles

“A Ética não se aprende nos livros, mas observando a vida dos homens virtuosos.”

Aristóteles, também

A Ética — numa definição breve — é o estudo dos comportamentos construtivos ou destrutivos do homem. Exige um grande poder de observação, uma enorme sagacidade, um equilíbrio à prova de qualquer coisa, e um conhecimento da vida de um grande número de pessoas. É coisa para gênios maduros como o de Aristóteles, cujo livro “Ética a Nicômaco” é de leitura obrigatória nas Universidades, mesmo tendo sido escrito há 23 séculos.

Um pouco desse tipo de conhecimento todos nós vamos tendo ao longo da vida, mas é freqüente que erremos nas nossas apreciações. Apenas um exemplo entre mil: vendo muitas pessoas outrora gordas ganharem elogios, fama, prestígio e sucesso após um sério regime de emagrecimento, podemos ser induzidos a fazer um bem rápido, para logo participar de tanta alegria, e até aconselhar outros a que o façam. Pois bem: os psiquiatras são quase unânimes em afirmar que, ultrapassado um certo limite de velocidade no emagrecimento, o faquir jejuante arrisca-se a ter seríssimos transtornos psíquicos de tipo depressivo. Às vezes basta cometer uma pequena asneira quando já se está magro, e pronto: a casa cai.

A conclusão é que a Ética é um assunto sério demais para improvisar.

A Moral — numa definição igualmente breve — é o conjunto de regras do bem-viver que recebemos por tradição. Recomendações da avó, a moral cristã inteira, a moral de todas as civilizações e culturas (que coincidem com a cristã em todos os pontos centrais, diga-se de passagem), os conselhos do pajé, do guru, do rabino, e até — pasmem ! — dos irmãos mais velhos. São máximas e diretrizes que previnem o interessado para que ele não quebre a cara ao longo da vida. Afinal, nem todo mundo é Aristóteles (especialmente as crianças) para que possa crescer e depois chegar às mesmas conclusões. Muito antes disso já terá se metido em encrencas, com conseqüências mais ou menos duradouras.

É óbvio que não se pode “programar” ninguém para ser feliz automaticamente. Isso é coisa que cada um de nós deve tentar por si mesmo, com toda a liberdade. Justamente por isso, o habitual é que os preceitos morais tenham uma forma negativa — “não faça isso, porque dói muito” —, exatamente como se diz às crianças que querem meter a mão no fogo. Lembremos dos famosos Dez Mandamentos.

A nossa vida é um grande campo aberto: uma pradaria imensa que contém um certo número de crateras sem fundo, uns enormes buracos no gramado, nos quais uma pessoa pode facilmente cair se estiver distraída em meio às suas correrias. Os preceitos morais são como placas de advertência que avisam onde estão os buracos (todos são conhecidos, pois em todos eles alguém já caiu).

Um dos maiores paradoxos da condição humana — eu diria: da burrice humana — é o interesse mórbido pelos buracos. Freud aproveitou isso para inventar mais uma das suas teorias: a atração que sentimos pela morte faz de todos nós uns suicidas em potencial. Em parte, talvez ele tenha até um pouco de razão. De qualquer forma, muita gente (não só os adolescentes) passa boa parte da vida perdendo o seu tempo à beira dos buracos, girando em torno deles e perguntando: “e isso, pode?”, “e essa outra coisa, pode ou não pode?”.

Pensando nisso, inventei mais um Mandamento, o Mandamento Zero. Sua fórmula poderia ser mais ou menos esta: “Não fique aí parado, mexa-se, faça alguma coisa! Fique longe dos buracos e trate de aproveitar a vida! Existem milhões de quilômetros quadrados na pradaria para você explorar, para brincar, para correr à vontade, para encontrar amor e alegria!”.

E não é um Mandamento bobo: todas as pessoas verdadeiramente felizes o cumprem. É fácil encontrar exemplos.