Vende tijolo-se

Um cartaz com esses dizeres foi encontrado — e fotografado — num pequeno lugarejo do sertão nordestino. É evidente que o desastrado “-se” final foi posto depois que alguém, preocupado com a correção dos dizeres, repeliu o simples “vende tijolo”.

Mas além da gramática, o cartaz evoca a sugestiva peça chamada “tijolo”: nome que muitas vezes se usa em linguagem metafórica, especialmente para referir-se a agressão de alguém com palavras ferinas ou irônicas.

Em muitas discussões, o que parece estar acontecendo é um contínuo lançar tijolos um contra o outro, sem nenhum proveito. Exemplos típicos são certos debates sobre qual é o melhor time de futebol, qual o melhor candidato a um cargo político, etc.

Sempre que se tentam impor os próprios pontos de vista, sem dar ouvidos a nada que o outro tenha a dizer, aparece a tal “chuva de tijolos”. Nos casos mais extremos, a briga só acaba quando se esgota a munição de um dos contricantes, ou quando aquele que está mais ferido apela para socos e pontapés, ou até mesmo dá um tiro no adversário.

Num diálogo, o “tijolo” costuma ser o que normalmente se chama de “argumento”, o qual parece ser a única arma disponível para convencer alguém que pensa de modo diferente do nosso. Mas não é.

Reparemos na palavra “con-vencer”. Ela significa que ambos os lados saem vencedores. Tal (raro) acontecimento — quando se dá — é o resultado de um conjunto muito preciso de fatores:

Em primeiro lugar, nenhum dos lados deve temer a própria mudança de opinião, coisa que sem dúvida supõe uma certa humilhação momentânea, mas que é largamente compensada pela alegria de ter encontrado a posição correta, a visão completa — não só da natureza do problema como também da melhor maneira de solucioná-lo. Aliás, convém notar que “correto” significa “corrigido”. O ser humano não é como uma pedra que não se move, nem um rio que não pode por si próprio reverter o seu curso. Corrigimos muitas coisas na nossa vida: isso significa que erramos muito, mas que acertamos muito também, e nessa dinâmica nos tornamos cada vez mais sábios. Tal é a real condição humana. Quem nunca corrige nada do que pensa ou faz é um teimoso doentio, paralisado e inútil.

Em segundo lugar, se duas pessoas têm pontos de vista opostos sobre algum assunto, isso não significa que cada uma tenha que fazer um juramento de morte ao seu oponente. Nunca é demais insistir em que ambos têm uma enorme acervo de convicções e de pontos de vista idênticos em outros assuntos, e que não vale a pena esquecê-los, transformando as diferenças numa briga de matar ou morrer. É muito freqüente que ambos concordem a respeito das coisas mais cruciais e importantes, e essa opinião compartilhada pode inclusive ser sumamente nobre, sábia e entusiasmante. Isso é o que deve ser ressaltado antes, durante e depois do debate.

A última condição é a sugerida por Hegel, o filósofo romântico alemão: ele dizia que os opostos podem ser reunidos numa síntese — Aufhebung — geradora de novos conteúdos. Quando dois indivíduos se põem a discutir uma questão, o proveito que se pode tirar é fruto de ambos se posicionarem como quem divide o trabalho para achar uma agulha no palheiro. Após um atento exame, um deles diz: “Achei”, e ambos se alegram com isso. Em vez de “argumentos”, o procedimento que nesse caso utilizam é algo que se poderia chamar de “dar razões de”. A melhor maneira de encarar as diferenças de opinião é expor com simplicidade as razões que nos fizeram chegar ao nosso atual ponto de vista. Isso não exige muita retórica: pode ser apenas uma confusa e balbuciante narrativa da nossa história mental a respeito do assunto. O outro pode então fazer o mesmo, e surge imediatamente a solidariedade de dois marinheiros buscando um bom porto. Saint-Exupery o expressou bem na sua famosa frase: “amar não é olhar um para o outro, mas olharem ambos na mesma direção”.

“Dar razões de” é mais poderoso do que simples argumentos: envolve a pessoa inteira, que se põe à disposição da outra para acharem juntos um caminho rumo ao que é certo, transformando as divergências em simpatia.