O adolescente e o alpinista maluco

“Meus pais são fósseis do tempo dos dinossauros, verdadeiras múmias petrificadas. Não me deixam fazer o que eu quero. Tudo o que eu gosto eles acham errado, e tudo o que eu acho chato eles dizem que é minha obrigação fazer. Suas razões são coisas do passado. Os tempos mudaram e só eles é que não vêem”.

Todos esbravejamos assim alguma vez. Todos fomos (ou ainda somos) um pouco rebeldes diante dos mais velhos. Quando os pais (ainda) têm autoridade, as tais coisas que eles consideram erradas são taxativamente proibidas, e as que estimam corretas são peremptoriamente mandadas; o conflito, então, fica ainda pior, com brigas, desfeitas, rancores, etc., especialmente por parte da “vítima”.

Na Suécia foi aprovada uma lei que garante ao adolescente (creio que a partir dos dezesseis anos), a completa liberdade para sair de casa quando se sentir incomodado pela conduta paterna (ou materna), ou até mesmo sem motivo algum. Dão-lhe casa, dinheiro para os estudos, etc. Nos outros países, quando a briga chega a extremos e o adolescente pretende sair de casa, deve arranjar sozinho um lugar onde morar e dinheiro para comprar comida, porque não receberá mais nenhuma mesada. Nesse caso, as soluções ao seu alcance são precárias e provisórias; e em poucos meses percebe que deu tudo errado.

O chamado “conflito de gerações” é próprio da natureza humana. O homem das cavernas provavelmente deve ter tido exatamente as mesmas brigas com seus filhos. E em parte os jovens têm toda a razão: os tempos mudam e, em geral, a vida torna-se cada vez mais complicada (aparecem novas coisas, novas tecnologias, novas modas, etc.). Além do mais, a adolescência é o período da vida em que começamos a tomar as nossas primeiras decisões sérias (a profissão que queremos ter, o que fazer no namoro, quais são os passos que devemos dar para alcançar um futuro bom, etc.), e isso não é fácil.

O único critério disponível, a única coisa que o adolescente tem para avaliar algo com certeza é o seu gosto. Inclusive se existe uma moda, ele decide embarcar nela ou não, conforme goste ou não das suas propostas. A opção é embarcar em outra que seja mais do seu agrado.

No diálogo de dinossauros e de múmias que acima inventamos, a palavra “tudo” aparece duas vezes. Penso que exatamente aí onde está o problema. Do ponto de vista do jovem, o “tudo” deve ser encarado com mais cuidado, pois o seu abuso é uma burrice tremenda. Ninguém pode mudar a cara que tem: isso é herdado geneticamente dos seus pais; nem a língua que fala, nem o horror que sente perante a tortura de crianças inocentes, por exemplo. Essas são coisas compartilhadas por ambos os lados. Há vínculos que são impossíveis de quebrar. Outros vínculos parecem mais frágeis, e outros nem são vínculos: são apenas preferências (como as músicas de que mais se gosta, por exemplo).

Subir na vida, chegar à felicidade é como escalar uma montanha. Os alpinistas mais habilidosos e inteligentes têm um equipamento específico para escaladas, que consiste principalmente em cordas e ganchos. As cordas fazem bolhas, os ganchos são difíceis de carregar e aumentam o peso das suas mochilas, mas só um louco joga tudo isso fora, dizendo que é um peso inútil, e que basta a subir as rochas com as unhas. Dependendo do tamanho da parede a subir, a morte é certa. O adolescente que esperneia demais parece esse alpinista maluco.

Sem exagero, absolutamente TUDO o que nos vincula ao passado são como essas cordas e esses ganchos. Temos que saber usá-los para subir, e não podemos descartá-los como lixo. A História bem o demonstra. É lógico que com esse equipamento conseguiremos subir a alturas novas, e construir um mundo novo, melhor (nem que seja do ponto de vista da altura). O segredo para tornar suave o conflito de gerações é conversar mais. Se ambas as partes buscarem a paz, serão amigas. Muitas vezes o que falta é conversar em horas serenas.

Os jovens podem surpreender-se quando fazem isso, pois em muitos assuntos (os chamados “tabus”) seus pais são ótimos cúmplices, verdadeiros companheiros de aventuras. Eles também passaram por isso, e venceram. Os pais às vezes têm vergonha de tocarem em certos assuntos, pois acham que ainda é “cedo demais” para tratar desses temas com os filhos. Não é verdade: o que pensam em falar só daqui a dez anos muitas vezes deve ser dito agora. Vale a pena arriscar. Quando perdem o medo de se mostrarem e dizerem como viveram as mesmas experiências dos seus filhos, ganharão a sua confiança para sempre. Aliás, os temas são os de sempre: o sexo, a vida religiosa, o casamento, ter filhos, divertir-se, sonhar, ter personalidade forte, e sobretudo amar.