Bebês que fazem cocô nas fraldas

Os pais (especialmente a mãe) de um bebê — essa coisinha pequena que tanto amam —, quando a criaturinha chora porque fez cocô nas fraldas (às vezes não chora: se sente pelo cheiro), se dão conta de que é hora de fazer-lhe a operação de limpeza e troca. Isso pode ocorrer nos momentos mais inesperados, e por isso às vezes reclamam um pouco, mas acabam compreendendo: afinal, o filhote nada sabe de horários ou compromissos. Acabada a troca, beijam o pimpolho com ternura, e vão em frente. É a coisa mais natural do mundo.

Se aplicarmos essa imagem à vida de cada um de nós, seres mais crescidos, chegaremos a conclusões muito interessantes.

Os poetas dizem que todos temos alma de criança (alguns mais, outros menos). Mas são poucos os que se atrevem a dizer que somos bebês. Afinal, a impotência desses minúsculos entes não é nem remotamente comparável com a nossa lucidez mental e capacidades físicas. Os bebês não sabem dirigir carros, nem ganhar dinheiro, nem podem casar.

No entanto, há um ponto de vista que torna essa comparação plausível. Para aceder a ele, é preciso “jogar duro”, “jogar pesado”, como se diz na gíria.

“A vida é dura”, diz um ditado popular. Acrescentaria que é dura pelo lado de fora (são tantas as vezes que não conseguimos o que queremos..), e principalmente pelo lado de dentro (há tédio, por mais que façamos barulho, ou finjamos que não). Quem diz que consegue sempre tudo o que quer, e que a sua vida não tem absolutamente nenhum momento de tédio (e até de angústia, como quando a morte chega perto, por exemplo, ou alguém mais forte do que nós nos humilha), não passa de um mentiroso mascarado.

Ninguém passa a vida sem ter rancores, desavenças, mágoas, frustração, e o peso na consciência por ter feito um grande mal a alguém ou a si mesmo. A tudo isso podem-se acrescentar os nossos vícios (reconhecidos ou não), e o papel grotesco que fazemos quando nos imaginamos poderosos, invencíveis e triunfadores. Os orgulhosos são o que há de mais ridículo nesse mundo (os outros só tem que esperar; logo verão o dia em que o “bonzão” vai cair). As ilusões, as máscaras que fabricamos para fazer boa figura podem durar algumas décadas, mas não para sempre. E os prazeres que buscamos com afinco, muitas vezes estragam o nosso gosto. Tornam-se insuficientes. Aparece o fastio e o enjôo. Por outro lado, a saúde nem sempre vai bem: a dor e a doença morde os ricos da mesma forma que os pobres. Medos, fraquezas, solidão e raiva são o pão de cada dia de todos nós, pobres aflitos que não querem admitir a sua impotência. Quem acha que pode ignorar tudo isso — tentando viver como se estivesse no paraíso —, é um trouxa, um louco, um palhaço de pouca categoria.

Há sempre um momento (ou vários, ao longo dos anos) em que nos sentimos como lixo, como escória desprezível. O pior é que, sob um certo ponto de vista, temos razão. Muitos sábios já disseram que a lucidez total gera o terror.

O que será que Deus pensa de tudo isso? Como é que Ele olha para nós?

Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que o mal, o sofrimento e a morte são um mistério insondável, negro e obscuro. A única luz que temos sobre esse assunto é que Ele próprio se fez homem e sofreu (bastante), e assim abriu o caminho para que os nossos sofrimentos se convertam — se quisermos — numa espécie de fusão com os Seus. Todo sofrimento assim encarado é como a chave de uma porta — outrora fechada — que se abre para deixar entrar o Amor infinito que Deus tem por cada um de nós. A nossa liberdade é decisiva nesse assunto, mas o “happy end” está garantido para quem quiser aceitá-lo.

A chave aludida é um tesouro: não convém encará-la como um dramalhão de opereta, mas como uma garantia. Somente aqueles quem têm paciência podem ter esperança (paciência significa saber sofrer — não importa que se chore — sem espernear). A vida inteira consiste nisso.

Ter Deus como companheiro das nossas dores, e além disso disposto a nos mimar como uma mãe é consolador. A imagem do bebê começa a ganhar peso. Todo o cocô desse mundo pode ser limpo, e há Quem queira limpá-lo com todo o carinho, já que sozinhos não podemos. A alegria é possível, porque depois de limpos e com fraldas novas, só nos restará abandonarmo-nos aos beijos e às carícias do nosso Pai-Deus.