Colecione !

“Internauta” é uma palavra que em breve estará em desuso (todo mundo freqüenta a Internet, salvo uns poucos velhinhos), mas de qualquer forma vou usá-la. Pois bem: os internautas têm à sua disposição uma inumerável série de fotos, vídeos, textos, animações, etc., cuja origem pode ser anônima ou não; tanto faz. Ainda é muito freqüente que copiem alguns desses itens em seu próprio computador, para ter um acesso mais fácil a eles depois, ou simplesmente para poder contemplá los de forma menos dispersa, sem precisar dar uma série de “cliks” para passar de um para outro. Esta é uma das maneiras — talvez a mais moderna e sofisticada — de colecionar alguma coisa.

As coleções de objetos físicos (não virtuais) são diferentes: é preciso coletar cada item e depois guardá-lo junto aos outros numa caixa, num armário ou num grande galpão, como costumam fazer os milionários que colecionam carros, por exemplo.

Certas coleções têm um caráter profissional, tanto as de utilidade pública, como aquelas que servem a finalidades comerciais. São os museus, os mostruários de animais num instituto biológico, ou até mesmo as roupas de verão ou inverno que se vendem numa loja. Além disso, há quem colecione jóias ou moedas como um investimento. As editoras costumam também lançar livros em forma de coleção, para estimular a compra de todos os volumes, até que o leitor complete a série inteira. A propaganda que fazem tem a forma de um apelo, que é quase uma ordem: “Colecione!”.

Em tempos remotos (não falo da era do gelo, mas de apenas algumas décadas atrás), as coleções eram muito difundidas. As crianças colecionavam embalagens de cigarro, tampinhas, bonecas, miniaturas, estampas sobre um assunto para grudarem em álbuns, conchinhas de praias, etc. Jovens colecionavam selos, gibis de histórias em quadrinhos, camisetas, bijuterias, e mil coisas mais. Adultos e gente mais velha colecionavam selos, revistas, livros, animais empalhados, quadros... De um certo tempo para cá tudo isso está sumindo.

Pensemos nas crianças, que são o nosso próprio retrato (todos somos um pouco crianças, queiramos ou não).

No seu despertar para o mundo, começam a destacar certas coisas, que ganham para elas um colorido mais vivo, como se brotassem de surpresa do quadro cinza em que tudo é igual. Consideram as novidades recém descobertas como um tesouro, e sentem o impulso de mantê-las por perto, para olhá-las uma e outra vez, sentindo o prazer da sua posse. Infelizmente, quase todas quando crescem perdem esse encanto, e acostumam-se num mundo opaco, que mais parece um gigantesco bloco indiferenciado. Um mundo do qual raramente algo emerge com tanta viveza. Tornam-se adultos distraídos.

Colecionar é incompatível com a desatenção. Cada item de uma coleção que fazemos é importante, e por isso o comparamos com todos os outros, para ver se é nobre e suficientemente distinto para merecer o seu lugar ao lado dos demais. O âmbito das coleções é o que há de mais oposto ao ambiente cinzento em que estamos acostumados a viver. É o berço da criatividade, valor tão desejado quanto difícil de achar.

Quem coleciona respeita, preza pelo menos alguma coisa pelo simples fato de ser o que é, e não com o intuito de a manipular. Por isso todos os colecionadores tem zelo pela integridade e conservação das suas coleções. Colecionar — seja o que for, não importa — é um excelente treino para encararmos com mais respeito e carinho cada um dos itens que compõem o mundo que nos cerca, inclusive as pessoas, idéias e histórias que o povoam.