Adoro títulos

“O bom, se breve, é duas vezes bom.”

ditado popular

Uma velha piada conta que um filme policial de Alfred Hitchcock — desses cujo criminoso só aparece no final — foi dublado em língua portuguesa, e um infeliz deu-lhe o título de “A história do facínora que matou a própria mãe”.

Os títulos às vezes dizem tudo. Mais ainda: podem ser portadores de uma mensagem mais importante do que tudo o que vem depois. Isso se dá inclusive com obras cujo conteúdo pode ser uma bobagem (embora às vezes sejam uma crítica à essa bobagem). Pensemos por exemplo num livro cujo título fosse: “Amor à venda”. Tal título evoca a prostituição — tema diante do qual ninguém pode ser neutro —, ou a impossibilidade de se comprar com presentes o amor da mulher por quem se está apaixonado, etc. Ou seja: obriga-nos a refletir com intensidade, tirando de dentro de nós mesmos conclusões que até dispensam a leitura do próprio livro.

Os jornalistas são mestres na arte de fabricar títulos, pois têm a obrigação de chamar a atenção para uma foto, para uma notícia escrita, etc. Um antigo jornal — hoje extinto — chamado “Notícias Populares”, conseguia manter-se quase exclusivamente à custa de títulos bizarros, escritos na primeira página com letras gigantes. Um dos mais célebres dizia: “Pelé assassinado na baixada santista”. Quem comprava o jornal (ou simplesmente lia o resto, aproximando-se da banca onde estava exposto), verificava que não se tratava do rei do futebol, mas de um pobre coitado que tinha o mesmo apelido.

Em alguns lugares da periferia de São Paulo — especialmente os que ficam às margens de alguma represa — há cavalos à solta pelas ruas, retornando espontaneamente à sua baia, depois de terem passado algum tempo pastando nos gramados à beira d’água. Certa vez um deles, muito magro e abatido, passou em frente a um ponto de ônibus onde um grupo de pessoas esperavam em silêncio o coletivo. O cavalo parou do outro lado da rua e começou a mordiscar umas minúsculas ervas que brotavam em meio ao cimento da calçada. Alguém que estava na fila não resistiu e sentenciou: “É... a vida não está fácil para ninguém”. Dá para imaginar a gargalhada geral. Se essa cena fosse fotografada, e o pé de foto fosse a tal frase, poderia ter muito sucesso...

Dar um bom título a uma palestra, uma aula, um escrito que se elabore, etc. já é meio caminho andado para o seu sucesso. Isso requer por parte do autor ou do professor um profundo conhecimento do que é realmente importante no tema tratado. Em geral, esse exercício pode ser feito por qualquer pessoa, pois se pode dar títulos a reuniões, a acontecimentos, e até mesmo a vidas inteiras...

Quando se trata de títulos vagos ou ambíguos, também é um bom exercício tentar adivinhar quais as possíveis intenções do autor, mesmo antes de examinar o conteúdo da obra. Pensemos por exemplo no grande João Guimarães Rosa e em sua obra-prima “Grande Sertão: Veredas”.

Dar títulos, refletir sobre eles, interpretá-los, adivinhar o seu significado, ou simplesmente deliciar-se com eles: tudo isso é sempre proveitoso e educativo.