Sem medo de ser feliz

Toda vez que a situação de alguém (ou de um país) muda para pior, sempre aparece algum engraçadinho para dizer: “nos éramos felizes e não sabíamos”. Essa frase, no entanto, tem algo de verdadeiro, pois há gente que leva dentro de si o segredo da felicidade, e esta só não desabrocha por causa de uma estranha inibição.

Com certa freqüência, alguns repórteres ou psicólogos saem às ruas para perguntar às pessoas: “você é feliz?”, com o intuito de verificar em que condições pode se dar (ou não) essa estranha coisa chamada felicidade. A resposta nunca é suficientemente franca, pois trata-se de algo tão íntimo que nem o próprio interessado acaba de saber ao certo. Submetido a um interrogatório desse tipo — que exige uma resposta imediata — o entrevistado faz um rápido exame no seu interior (“a final de contas sou feliz ou não?”) e se decide por uma das seguintes opções:

1) Responder que sim, para não dar a impressão de ser um fracassado, o que é humilhante.

2) Responder que sim, pois está de bom-humor, e naquele momento nenhum problema grave o preocupa.

3) Responder que sim, porque se orgulha da sua posição social, bem superior à dos miseráveis.

4) Responder que não, para denunciar que o país vai mal, e há injustiças que afetam a ele e a todos.

5) Responder que não, pois está de mau-humor naquele momento, e talvez com algum problema sério.

6) Responder que não, pois está insatisfeito com o que tem e frustrado por ainda não ter conseguido coisa melhor.

Nesse tipo de entrevista, sem espaço para qualquer reflexão mais profunda, é compreensível que só apareçam respostas como essas, primárias e um tanto superficiais. Mas a pergunta não deixa de ser provocante. O que diria eu, após alguns dias de reflexão?

Uma constatação evidente: ninguém é absoluta e totalmente feliz neste mundo, pois ninguém escapa do sofrimento, da dor e da morte, e nem mesmo da falta de energia elétrica em algum momento. Considerada globalmente, a vida de todos nós tem pelo menos um pouco de amargura.

No entanto, também é óbvio que algumas pessoas que conhecemos bem de perto (e por isso sabemos exatamente quais são os seus problemas), estão sempre tranqüilas e alegres, como se essas amarguras não tivessem excessiva importância. E não estão nos enganando. Não são desses que ostentam sorrisos falsos tentando convencer os outros (e também a si próprios) de que gozam da mais absoluta felicidade.

Talvez o seu segredo esteja na forma com que enfrentam as dificuldades e também no seu modo de aproveitar os bons momentos da vida.

Uma vida feliz não é exatamente uma soma de instantes felizes, permeada de procedimentos de fuga dos instantes desagradáveis (que são inevitáveis, como vimos). Possivelmente é conseqüência de uma atitude, capaz de converter todas as impaciências em esperanças, todas as irritações em esforços serenos. Tal atitude deriva, por sua vez, de um conjunto de certezas e de convicções — nem sempre explícitas — que já mostraram muitas vezes o seu poder de trazer a paz e de proteger de qualquer ventania.

A alegria é sempre desafiadora. Parece uma ingenuidade malsã, que ignora o lado trágico da vida, mas é justamente o contrário. Gilbert Keith Chesterton afirmava sem rodeios que o otimismo é o verdadeiro realismo. A aquisição das convicções e certezas a que nos referimos pode ser súbita, mas os seus efeitos — uma vida feliz, globalmente considerada — são eternos.

O relativismo reinante — o império do “achismo” (eu “acho” o que bem entendo, você “acha” o que quiser) —, somado aos gritos dos corvos pessimistas, às vezes nos desnorteiam e nos fazem acreditar que as nossas certezas e convicções mais profundas estão fora de moda. Surge então o medo de contrariar todo mundo se exibirmos sem pudores os nossos sorrisos, fruto dos “valores otimistas” que apreciamos. Nem é preciso insistir que tais valores não podem ser falsos, pois seriam o maior dos enganos. Quem aposta toda a sua vida numa ilusão, mais cedo ou mais tarde acaba levando um tombo verdadeiramente arrasador.

Vale a pena superar esse estranho medo de ser feliz — desafiadoramente feliz —, pois todo sujeito alegre e sorridente é um líder, e ver que há muitos dispostos a segui lo confirma ainda mais que a sua felicidade é real.