Exagerar na dose certa

“Pensar é, queira-se ou não, exagerar. Quem prefira não exagerar deve calar-se; mais ainda: tem de paralisar seu intelecto e ver a maneira de idiotizar-se.”

José Ortega y Gasset

A frase de Ortega — divertida porque ela mesma é um exagero —, não está totalmente errada. No meio de tantas coisas que nos cercam e sobre as quais pensar, deter-se numa delas significa destacá-la, exagerando a sua importância naquele momento e evitando assim misturá-la com as outras.

Um professor, ou quem queira explicar alguma coisa aos outros (a um amigo, por exemplo), deve enfatizar os pontos centrais daquilo que diz, para que ouvinte seja capaz de lembrar-se deles depois. Esse destaque pode ser feito de várias maneiras. Uma das mais eficazes é exagerar um pouco, e com uma certa dose de bom humor.

O exagero tem também um tom provocativo: a pessoa que nos está ouvindo pensa: “isso é um exagero, a coisa não é bem assim”. Suponhamos que alguém diga que neste país não existe nenhuma estrada que preste, que todas estão em ruínas. O interlocutor não resistirá e dirá que exageramos. Surge então a necessidade de dizer que ele tem razão — ganhando assim a sua atenção e simpatia —, e a partir daí trocar impressões até chegar a uma avaliação justa a respeito do nosso sistema viário. Provocar é o que dá sabor e interesse às nossas conversas.

Contudo, o exagero pode ser muito prejudicial em certos temas, como a dor, por exemplo. Se algo nos dói, tendemos a dramatizar o assunto, como uma criança que urra ao sofrer um pequeno arranhão. Se consideramos qualquer dor uma tragédia é sinal de que ainda temos muito o que aprender. A dor é nossa companheira nesse mundo, e temos que saber conviver com ela sem delírios histéricos, mesmo que em algum caso tenhamos que chorar.

Outro campo em que o exagero é desastroso é o da avaliação do nosso real valor.

Ninguém é um rei todo poderoso, a quem nada nem ninguém possa se opor. A vida mostra muitos casos de derrubamento dos pretensiosos, que sucumbem quando cometem um erro idiota — do qual se julgavam isentos —, ou quando uma circunstância adversa lhes joga na cara que nem tudo está sob o seu controle.

O outro lado da moeda também é verdade: ninguém é tão fraco ou tão miserável que não possua a dignidade própria de um ser humano. Uma dignidade que às vezes lhes passa inadvertida, porque se consideram — num exagero injustificado — radicalmente impotentes e desprezíveis. Uma consideração que vale a pena fazer a alguém que exagere a sua pequenez é fazê-lo imaginar como seria o mundo se ele não existisse: é sempre uma agradável surpresa constatar que um grande número de pessoas — até mesmo uma multidão — sentiria de alguma forma a nossa falta se sumíssemos de repente, ou se nem tivéssemos nascido. Esse argumento tornou célebre o filme “A felicidade não se compra”, dirigido por Frank Capra.

Justamente por ser útil na retórica e daninho outros âmbitos, o exagero deve ser praticado sempre na dose certa.