Desistir ou não, eis a questão

“Não desista!”, repetem-nos muitas vezes os slogans, os amigos, e as pessoas em geral, exprimindo nesse dito algo que consideram como sabedoria. De fato, nas coisas que só se conseguem a muito custo, a constância é um ingrediente indispensável. Pensemos numa longa corrida ou escalada de montanha; num regime para perder peso; nos estudos; num amor que se quer conquistar. Sem constância, insistência e tenacidade, nada disso sai.

Contudo, às vezes esquecemos o outro lado da moeda: existem também outras coisas que, embora exijam um empenho igualmente longo e esforçado, não devem ser feitas até o fim; o correto é deixá-las de lado o quanto antes. Desistir, nesses casos é um dever. Um seqüestro premeditado, por exemplo, ou um assalto cuidadosamente planejado, ou uma vingança completa e arrasadora, etc., podem e devem ser interrompidos no meio, pois o prejuízo para seus autores e para os terceiros atingidos é evidente.

O nosso dia-a-dia está repleto de decisões desse tipo. Por isso estamos sempre nos perguntando: “devo ou não levar isto adiante?”. Em outras palavras: como distinguir a teimosia burra da perseverança inteligente?

Tal distinção não é tão fácil como pode parecer, pois temos uma enorme propensão a confundir as duas coisas.

Talvez ajude pensarmos nos benefícios ou malefícios que o fim pretendido pode nos trazer num prazo muito mais longo e dilatado.

Um exemplo: alguém que decidiu ler um romance, e se deparou com o fato de que ele é muito aborrecido. Mesmo que todos digam que é um “clássico” e que o seu dever é ter um pouco mais de cultura, a insistência em começar justamente por esse livro pode não ser necessária; pode-se perfeitamente começar por um outro “clássico” menos maçante. Ir até o fim a ferro e fogo nesse caso pode acabar numa náusea que atinja todo o hábito de leitura que tal pessoa já possua ou esteja adquirindo. O que conta é o longo prazo.

Outro exemplo são as brigas, quaisquer que sejam: entre amigos, entre cônjuges, entre colegas de escritório, etc. A minúscula satisfação de prevalecer no combate imediato costuma ter o efeito de estragar completamente muitos anos da nossa vida, desse momento em diante. Esperar, desistir, recolher as velas do barco, pode custar esforço, mas os benefícios a longo prazo são enormes; e logo depois já vem a certeza de se ter escolhido a melhor opção. Isso não deve ser confundido com a enérgica — e até violenta — reprimenda que temos de aplicar a certas pessoas cujo comportamento seja clamorosamente injusto. Mas, mesmo nesses casos, temos que estar abertos a que o interessado se corrija e que a convivência se restabeleça. Novamente, o que conta é o longo prazo.

O equilíbrio entre o desistir e o insistir depende fortemente da maturidade da pessoa: de saber o que realmente a fará feliz ou não, ao longo de toda a sua vida, considerada globalmente. Chegar a esse saber não é fácil. Procurar essa maturidade é algo de que, com toda a certeza, nunca devemos desistir.