Anorexia narrativa

Há alguns anos, uma professora do ensino médio resolveu levar um grupo de alunos ao teatro, para assistirem a uma sofisticada peça de um autor moderno. Na saída, um repórter perguntou a uma aluna de quinze anos se ela havia entendido a peça. Sua resposta foi: “Entender, eu não entendi nada, mas eu sinto que era importante”.

Coisas assim não se dão só com as meninas: também os meninos às vezes não sabem explicar-se, especialmente na hora de se declararem apaixonados por alguma garota, ou para “esticar” com ela alguma conversa, a fim de estarem juntos por mais algum tempo.

Conversar é uma arte. Deliciosa, como todas as boas artes, mas que requer prática e alguma preparação. Um tipo especialmente importante de conversa é contar a um amigo o que se passa dentro de nós, uma vivência que tivemos, o testemunho de algo que descobrimos e que nos parece necessário comunicar. Acontece, porém, que às vezes nada disso funciona.

Quem não passou já pela desagradável experiência de não saber como dizer algo, ou porque faltam as palavras adequadas, ou porque não se sabe por onde começar?

As histórias — assim como as vidas — têm sempre um começo, um meio e um fim. Aprendemos a contar histórias — entre as quais a nossa — somente se antes ouvimos e lemos muitas outras. E é justamente isso o que parece ser escasso em nosso problemático mundo moderno (ou pós moderno, como queiram): faltam leitores (não lemos), e também faltam autores. Estamos cheios de enredos pobres à nossa volta: pobres de começos, de meios, de fins, e sobretudo de esperança de se chegar a algo que valha a pena.

Além de uma arte, conversar é construir, é conviver, é saber o sentido do “eu” e do “você” no contexto adequado. Isso obviamente depende de se ter ou não algum assunto interessante a tratar. A falta de assunto é um grave sintoma: se ocorrer em escala planetária, dá para imaginar o que virá depois...

Contar histórias, ouvir histórias, é de certa forma um pressuposto e a causa de toda e qualquer forma de pensamento. Afinal, a procura de um sentido para algo é posterior ao seu conhecimento, e o conhecimento — a descoberta — implica numa narração, com começo, meio e fim. Daí a importância central da Literatura, da História, etc. que são o depósito das mil formas de narração cujo tema é o mundo e as pessoas que temos à nossa volta. Além disso, se não conhecemos histórias com final feliz, não saberemos inventar um final desse tipo para a nossa situação.

Quando a moda, os costumes, ou o corre-corre da vida nos impedem de ter contato com as boas histórias, aparecem todo o tipo de doenças na sociedade, nas ciências, na política, e na vida pessoal de cada um. A causa de boa parte dos nossos problemas é a falta do bom alimento que provém do ouvir e do contar boas histórias. Algo que bem se pode chamar de anorexia narrativa.